terça-feira, 23 de outubro de 2012


ENCONTRO / DEBATE

Propostas dos Agentes Económicos e Sociais do Orçamento do Estado

Seixal, 16 de Outubro de 2012

Intervenção sobre Comércio

Vladimiro Matos [vladimiro@mamatos.com]

 

Para vos falar sobre o Comércio vulgarmente reconhecido como de “Tradicional”, e para um melhor enquadramento histórico e económico do tema, peço-vos a vossa paciência para ouvirem um pouco da minha experiencia pessoal.  

Trago-vos aqui o meu testemunho de proprietário de uma micro empresa comercial e prestadora de serviços, localizada no concelho de Alenquer, fundada pelo meu pai em 1948, portanto com 64 anos de existência, de cariz familiar, embora em determinada altura da sua existência tenha chegado a dar trabalho a 15 colaboradores.

Empresa ligada ao ramo eléctrico e afins que se iniciou com a comercialização e reparação de rádios ligados a baterias, visto que o concelho de Alenquer, a 40Kms de Lisboa, ainda não se encontrava electrificado.

A nossa empresa acabaria por ter um papel fundamental nas primeiras electrificações que se fizeram neste concelho, graças a um corpo de electricistas que para o efeito foi formado, tendo-se, ao longo dos anos, transformado naquilo que hoje ainda se chama loja de electrodomésticos, com as constantes adaptações às exigências do mercado de consumo na área do material eléctrico.

Era uma empresa em espaço rural no distrito de Lisboa, mas que tinha um vasto campo de manobra, tanto assim que criou uma rede de Agentes revendedores nos concelhos de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Cadaval, e Sobral de Monte Agraço, onde a maioria da população rural se iluminava à luz da vela ou do candeeiro a petróleo e que o único contacto com o mundo exterior era através do seu rádio a bateria quando, apesar dos enormes sacrifícios, o podiam adquirir.

Muita população destes concelhos vivia isolada e só se conseguia chegar até elas através de caminhos vicinais, muito mal tratados. O comércio da aldeia ou vila mais próxima ou o comércio dito ambulante, fazia a ponte entre o isolamento e a urbanidade. Daí a sua grande importância, não só na venda de produtos e na distribuição de proximidade, como também a sua participação social nos contactos com as populações mais carenciadas.

Em 1974 com a chegada do 25 de Abril, o povo português viu finalmente chegado o reconhecimento do seu valor e dos seus direitos sociais, tendo sido uma das primeiras medidas implementadas pelo então I Governo Provisório, a introdução da figura de Ordenado Mínimo Nacional para todos os trabalhadores, que passou a ser de 3.000$00.

Toda a economia do país floresceu com essa medida transversal a todos os sectores da população activa, contribuindo para a melhoria das suas condições de vida, uma vez que lhes foi dado poder de compra.

É com saudade que me lembro que, no fim da década de 70 e no inicio da de 80, assistiu-se ao aparecimento de inúmeras Fabricas de Produção Nacional dos mais diversos artigos de consumo, afim de garantirem o abastecimento do mercado interno e consequentemente contribuírem para a redução das importações e para o equilíbrio da balança de pagamentos.

Fiz questão de partilhar convosco toda esta narração histórica, embora que pessoal, para vos dar a imagem do comércio antes e nos anos logo após o 25 de Abril, já com a economia a crescer e o país a desenvolver-se no seu todo.

Com a entrada, em Janeiro de 1986, de Portugal na Comunidade Europeia inicia-se um ciclo de fachada como se entrássemos no “mundo das maravilhas” mas com nefastas consequências para a economia do nosso país com a destruição gradual do  tecido produtivo, agrícola, comercial e industrial. Inicia-se um processo de submissão do poder político português aos interesses económicos europeus, principalmente dos alemães, com uma redução abrupta do poder de compra acompanhada de políticas de estrangulamento fiscal e estrutural às micro e pequenas empresas, contrariamente aos apoios legislativos e facilidades de implantação, que claramente eram concedidos aos grandes centros comerciais e às grandes insígnias europeias, apoios esses longe de qualquer equilíbrio e justiça social, para com o comércio tradicional.

A Globalização da economia e dos grandes interesses do capital europeu dava os primeiros passos em Portugal, consolidada com a Lei 12/2004 (Lei do Licenciamento) que passou a proteger a implantação desenfreada de grandes superfícies comerciais em detrimento de qualquer política de apoio ao pequeno comércio, até então o grande dinamizador do emprego, da vida social, cultural e económica nas cidades, vilas e aldeias do Portugal profundo.

O cenário de hoje é de luto, de lojas de comércio a fecharem todos os dias, de falências em catadupa, de desertificação dos centros urbanos, de solidão urbana, de montras com as luzes apagadas, de tristeza, de patrões e empregados solidários na desgraça mas sem saberem o que fazerem da vida e de um enorme aumento do desemprego.

Toda esta narrativa, mostra que o Comércio das micro e pequenas empresas é fundamental para que o nosso país volte a ter uma balança de transacções equilibrada, porque ao mesmo tempo que contribuem para o consumo interno, podem também contribuir para o aumento dos níveis de produção interna e na diminuição do desemprego.

Nos dias de hoje todos os níveis e formas de comércio têm lugar desde que se respeitem mutuamente e que haja equilíbrio nas políticas de atribuição de espaço de mercado.

Os micro e pequenos empresários do comércio estão, como sempre estiveram, dispostos a contribuír para a recuperação do país, o que não aceitam a discriminação de trato nem o desprezo. Querem ser cidadãos de corpo inteiro e estão conscientes da sua força como agentes económicos na sociedade que se pretende de justiça social.

Reivindicam um comércio de rua recuperado e para isso necessitam do apoio por parte do Governo, de políticas que tenham em consideração a sua situação estratégica e de parceiros preferenciais para o desenvolvimento do país, e não o contrário.

Os micro e pequenos empresários do comércio consideram também que o Associativismo da classe dos MPME’s deverá ser considerado como o interlocutor válido para dialogarem com o Governo, nesta matéria, porque estão absolutamente conscientes das dificuldades que nos afectam.

 

Vladimiro Matos

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